A autoimagem e a autoestima das pessoas com transtornos de pele:
uma revisão integrativa da literatura baseada no modelo de Callista Roy

La autoimagen y la autoestima de las personas con trastornos de piel:
una revisión integradora de la literatura basada en el modelo de Callista Roy

Self-Image and Self-Esteem in Persons with Skin Disorders:
An Integrative Literature Review Based Callista Roy's Model

Recibido: 30 de septiembre de 2013
Enviado a pares: 23 de octubre de 2013
Aceptado por pares: 04 de febrero de 2014
Aprobado: 09 de julio de 2014

10.5294/aqui.2015.15.1.8

Patrícia Britto Ribeiro de Jesus1
Iraci dos Santos2
Euzeli da Silva Brandão3

1 Enfermeira. Mestre em Enfermagem pelo Programa de Pós-graduação em Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil,
patty_brj@hotmail.com

2 Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora Titular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); atua no Programa de Pósgraduação em Enfermagem (Mestrado e Doutorado) e no Curso de Graduação em Enfermagem da Faculdade de Enfermagem da UERJ. Brasil.
iraci.s@terra.com.br

3 Enfermeira. Doutora em Enfermagem pelo Programa de Pós-graduação em Enfermagem (Mestrado e Doutorado) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Diretora da Associação Brasileira de Enfermagem em Dermatologia (SOBENDE) - Regional Rio de Janeiro. Professora Assistente do Departamento de Fundamentos de Enfermagem e Administração da Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa da Universidade Federal Fluminense.

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Jesus PBR, dos Santos I, Brandão ES. A autoimagem e a autoestima das pessoas com transtornos de pele: uma revisão integrativa da literatura baseada no modelo de Callista Roy. Aquichan. 2015; 15 (1):75-89. DOI: 10.5294/aqui.2015.15.1.8


RESUMO

Objetivo: conhecer a relação entre os transtornos da pele e a alteração do autoconceito nas pessoas com afecção cutânea. Método: revisão integrativa da literatura a partir dos descritores: lesões, dermatologia e autoimagem. A busca se fez nas bases Lilacs, SciELO e PubMed, em artigos publicados entre 2000 e 2012. Resultados: a revisão integrativa mostrou os principais efeitos psicológicos causados pelas doenças da pele e confirmou que os fatores psicossociais relacionados com a autoimagem e a autoestima afetam a vida das pessoas. Conclusão: os transtornos da pele podem levar o indivíduo a buscar estratégias que vão desde o isolamento do corpo e o isolamento social, a negação da doença até o uso de maquiagem de camuflagem, como aparecem nas publicações. A escassez de estudos publicados que mostrem as estratégias a adotar pelos enfermeiros para lidar com os efeitos psicológicos causados pela doença cutânea evidenciam a necessidade de se pesquisar sobre o tema.

PALAVRAS-CHAVE

Enfermagem, dermatologia, lesões, autoconceito, autoestima (Fonte: DeCS, Bireme).

RESUMEN

Objetivo: conocer la relación entre los trastornos de la piel y la alteración del autoconcepto en las personas con afección cutánea. Método: revisión integradora de la literatura desde los descriptores: lesiones, dermatología, y autoimagen. La búsqueda se hizo en las bases Lilacs, SciELO y PubMed, en artículos publicados entre el año 2000 y 2012. Resultados: La revisión integradora mostró los principales efectos psicológicos causados por las enfermedades de la piel y confirmó que los factores psicosociales relacionados con la autoimagen y la autoestima afectan la vida de las personas. Conclusión: los trastornos de la piel pueden llevar al individuo a buscar estrategias que van desde el aislamiento del cuerpo y el aislamiento social, la negación de la enfermedad y hasta el uso de maquillaje de camuflaje, como muestran las publicaciones. La escasez de estudios publicados que muestran las estrategias a adoptar por los enfermeros para lidiar con los efectos psicológicos causados por la enfermedad cutánea evidencia la necesidad de investigar sobre el tema.

PALABRAS CLAVE

Enfermería, dermatología, lesiones, autoconcepto, autoestima. (Fuente: DeCS, Bireme).

ABSTRACT

Purpose: The purpose of this study is to understand the relationship between skin disorders and alteration of self-image in persons who suffer from skin problems. Method: An integrative literature review was done on the basis of three descriptors: lesions, dermatology, and self-image. The search centered on the Lilacs, SciELO and PubMed databases, among articles published between 2000 and 2012. Findings: The integrative review showed the major psychological effects caused by skin disorders and confirmed that psycho-social factors related to self-image and self-esteem impact a person's life. Conclusion: Skin disorders can prompt a person to resort to a variety of strategies ranging from physical seclusion and social isolation to denial of the aliment and even the use of camouflage makeup, as shown in publications. The scarcity of published studies showing the strategies adopted by nurses to deal with the psychological effects of skin disease demonstrate the need for research on the topic.

KEYWORDS

Nurse, dermatology, injuries, self-concept, self-esteem (Source: MeSH, Bireme).



Introdução

Com a principal função de revestimento exterior do organismo, a pele, o maior órgão do corpo humano, o qual representa 15% do peso corporal, nos apresenta para o mundo. Ela é o principal foco de atenção, aproximação e consequente interação entre as pessoas. Isso porque a pele "ao mesmo tempo em que nos protege é a fachada que nos expõe" (1).

Nesse sentido, a pele funciona como importante órgão de comunicação social. Sua visibilidade, não íntegra, pode estigmatizar e reprimir as relações psicossociais (2). Além disso, expressa os sentimentos, mesmo quando não está a par deles, e colabora na compreensão e no conhecimento do seu meio (3). A pele é uma superfície que reflete todos os órgãos internos, além de um meio de contato com o exterior. Qualquer distúrbio em um deles é refletido na epiderme, e cada estímulo na área correspondente da pele é transmitido outra vez para o interior do corpo (4).

Em uma sociedade que valoriza o belo e tem padrões estéticos preestabelecidos, a pele pode ser considerada um "cartão de visitas", que atrai, assim, os olhares críticos e exigentes dos indivíduos. Quando íntegra e saudável, promove a relação entre as pessoas e facilita o seu desenvolvimento nos aspectos social, emocional, financeiro e sexual. Porém, quando acometida por afecções cutâneas, pode trazer sérias consequências.

Nesse contexto, destaca-se a ocorrência do afastamento bilateral: de um lado a sociedade que exclui os que não atendem aos padrões preestabelecidos, e de outro a pessoa com afecção cutânea, que diante da autoimagem alterada se sente exposta aos olhares curiosos e preconceituosos da sociedade. Fato que interfere na autoestima e leva a pessoa ao isolamento social (5).

A autoimagem ante um aspecto físico refere-se ao modo de como a pessoa se enxerga e como se percebe. Já a autoestima é o sentimento que a pessoa tem em relação à sua autoimagem, como a pessoa se interpreta e se vê. Portanto, a autoimagem gera a autoestima, que afeta a relação que o Eu constrói nas pessoas; com uma baixa autoimagem consequentemente terá uma baixa autoestima.

O conceito de autoestima tem sido estudado e considerado como um importante indicador da saúde mental. A crítica, em geral, enfoca a necessidade de aplicação de instrumentos precisos que permitam avaliar a necessidade de autoestima de cada indivíduo (7). É importante evidenciar que a autoimagem é uma condição de organização da própria pessoa, sendo constituída por uma parte mais real e por outra mais subjetiva, conduzindo-se para uma maneira determinante e compreensiva do meio em que se vive (8).

Assim, o ser humano constrói a sua imagem corporal na relação com o mundo vivido, sendo que essa percepção não ocorre sempre da mesma maneira, isto é, se for alterada negativa ou positivamente, mudará a sua autoimagem (9).

Nessa condição, além dos agravos sociais que envolvem a sua sexualidade, a pessoa com afecção cutânea pode sofrer agravos financeiros, tendo em vista que muitas são obrigadas a afastar-se de seu ambiente laboral (5).

Quanto ao impacto social, ressalta-se a frequente associação entre doença de pele, contágio e pouco asseio pessoal, que leva os indivíduos a se afastarem dos que possuem afecções cutâneas (10).

O acometimento de algumas áreas da pele pode trazer maiores prejuízos, como revelam estudos sobre a incidência do vitiligo na população, referindo que o envolvimento da pele em áreas da face e das mãos frequentemente causa constrangimento (11). Conforme descrevem alguns autores, as lesões de pele na face são mais perceptíveis para o olhar do outro. Portanto, sua aparência visual terá um fundamental papel na percepção de si mesmo (12).

A esse respeito, destaca-se que, apesar da suposta relação entre as alterações emocionais e as doenças dermatológicas, ainda é impossível definir com clareza as influências das alterações psicológicas nas enfermidades cutâneas e também se estas, quando cronificadas, carregam, necessariamente, alterações psicopato-lógicas significativas (13). Porque tal vínculo não é recente, antigamente já se utilizava o termo "neurodermite" para demonstrar alguns tipos de eczema, referentes à sua origem nervosa (14).

Diante dessas observações, percebem-se os inúmeros desafios a serem enfrentados pelas pessoas com afecções dermatológicas. Alguns enfrentam com mais facilidade e seguem a vida sem muitos traumas; e outros, inicialmente, recusam a mudança. Porém, com o decorrer do tempo, são obrigados a conviver com limitações e também existem os que não conseguem lidar com suas limitações (14).

Trata-se de um campo de pesquisas emergente e presente em publicações nacionais e internacionais, tanto por sua complexidade quanto pelos desafios em sua abordagem na prática clínica cotidiana. Portanto, o exercício profissional do enfermeiro em dermatologia agrega um saber sobre a pessoa em sua totalidade corporal física, mental e espiritual (16).

Tal fato levou à elaboração do objeto de estudo — Autoimagem e autoestima de pessoas com afecções dermatológicas. Teve-se como objetivo identificar na literatura as influências do acometimento cutâneo na autoimagem e autoestima das pessoas.

A partir desse objeto, buscou-se fundamentação na Teoria de Adaptação de Sister Callista Roy (17), por ser um modelo de enfermagem conceitual, permite que a pessoa seja vista como um sistema composto por vertentes biopsicossociais, as quais requerem respostas para a sua adaptação aos estímulos ambientais. Essa teórica identificou em seu modelo quatro modos adaptativos: fisiológico, de autoconceito, de função do papel e de interdependência.

O modelo de Adaptação de Sister Callista Roy apresenta quatro conceitos essenciais: a pessoa receptora do cuidado, o ambiente, a saúde e a meta de enfermagem (18). Assim, considera-se que as Teorias de enfermagem representam, atualmente, os esforços coletivos e individuais dos enfermeiros para definir e conduzir essa profissão e proporcionar uma base para seu desenvolvimento teórico contínuo (19).

Os comportamentos resultantes desses subsistemas são observados a partir de quatro modos adaptativos: a) modo fisiológico — o modo como a pessoa responde como um ser físico aos incentivos ambientais. Esse modo envolve cinco necessidades básicas de integridade fisiológica (oxigenação, nutrição, eliminação, atividade e repouso, e proteção) e quatro processos complexos (sensitivo líquido e eletrólitos, função neurológica e função endócrina); b) modo de autoconceito — enfoca aspectos psicológicos e espirituais da pessoa. Trata-se da combinação de convicções e de sentimentos em um determinado momento. Inclui dois componentes: o self-físico (abrange a sensação e a autoimagem corporal) e o self-pessoal (engloba o self-consistência, o self-ideal e o self-ético-moral-espiritual); c) modo de desempenho de papel — enfoca aspectos sociais relacionados aos papéis que a pessoa ocupa na sociedade e d) modo de interdependência — enfoca interações relacionadas a dar e receber afeto, respeito e valor. A necessidade básica encontrada nesse modo é a afetiva, ou seja, o sentimento de segurança que permeia as relações (17).


Materiais e método

Optou-se pela Revisão Integrativa de Literatura (RIL) por considerá-la um instrumento da Prática Baseada em Evidências (PBE), uma abordagem voltada ao cuidado clínico e ao ensino fundamentado no conhecimento e na qualidade da evidência da prática clínica (20).

Foram seguidos seis passos metodológicos propostos (21), conforme se descreve a seguir.

  1. Selecionar as hipóteses ou questões para a revisão — O que revelam as publicações nacionais/internacionais sobre as influências do acometimento cutâneo na autoimagem e autoestima das pessoas?

  2. Estabelecer os critérios para a seleção da amostra (21) — foram critérios de inclusão dos artigos: publicados em periódicos nacionais e internacionais no período 2000 a 2012 que utilizassem a temática da autoimagem e da autoestima às pessoas com afecções dermatológicas, com resumo e texto disponíveis na íntegra nos idiomas português, inglês e espanhol. Critérios de exclusão: artigos encontrados em mais de uma base de dados; abordagem sobre autoimagem relacionada às doenças não dermatológicas e acesso on-line indisponível.

  3. Apresentar as características da pesquisa primária.

  4. Análise dos dados: os dados produzidos foram analisados qualitativamente, à luz do referencial teórico de Callista Roy.

  5. Interpretação dos resultados.

  6. Apresentação da revisão (21).

A coleta dos dados realizou-se de janeiro a fevereiro de 2013 por meio da busca on-line no site da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), selecionando-se as bases de dados: Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Scientific Electronic Library Online (SciELO) e United States National Library of Medicine (PubMed). Os textos na íntegra foram obtidos nas bases de dados citadas e utilizaram-se os Descritores em Ciências da Saúde (DeCS), lesões, dermatologia e autoimagem. A palavra "autoestima" não foi inserida, pois no DeCS consta como sinônimo em português do descritor "autoimagem".

Os seguintes descritores foram pesquisados separadamente e em combinação, adaptados para a base de dados em questão: dermatologia e lesões e autoimagem; lesões e autoimagem; dermatologia e autoimagem; autoimagem.

Utilizando os descritores dermatologia, autoimagem e lesões na base de dados LILACS e SciELO, não foram encontradas publicações; na PubMed foram encontradas três publicações porém apenas uma completa. Com os descritores lesões e autoimagem, na LILACS foram encontrados 583 artigos, sendo 48 completos; na PubMed, foram encontrados quatro artigos completos; na SciELO, foi encontrado um artigo disponível na íntegra. Com os descritores dermatologia e autoimagem, na LILACS foram encontrados 13 artigos, dos quais, três completos; na base PubMed foram encontrados 38 artigos, destes sete completos; e na SciELO, não foram encontradas publicações. O total foi de 64 artigos completos e disponíveis.

A análise preliminar dos resumos dos 51 artigos encontrados na base de dados LILACS mostrou que cinco deles eram relevantes à temática do estudo, e dois artigos, apesar de aparecem como completos, encontravam-se indisponíveis para leitura de forma gratuita. Na base SciELO, só foi encontrado um artigo disponível. Dos 11 artigos encontrados na PubMed, seis se adequavam ao objeto de estudo.

Desse modo, nove artigos foram submetidos à análise de conteúdo. Os demais foram excluídos devido à repetição na base de dados ou por não responder à questão de pesquisa levantada nesta revisão.

Seguindo a metodologia da RIL, cada artigo foi cuidadosamente examinado para redução, visualização, comparação de dados, desenho, conclusão e verificação (21). Na primeira fase da redução, os artigos foram organizados da seguinte forma: autores, ano de publicação/periódico, método e nível de evidência, país, título profissional do primeiro autor e nome da instituição pertencente.

A segunda fase da redução de dados foi realizada de acordo com a finalidade, a população, os resultados, a conclusão dos autores e a discussão. Para cada artigo, os dados relevantes para efeitos desta RIL foram extraídos e organizados em quadros comparáveis. A organização dos dados contemplou o modo de auto-conceito desenvolvido por Callista Roy para análise dos dados.

Isto porque essa teórica entende a enfermagem como uma profissão destinada aos cuidados de saúde que se centra nos processos de vida humanos, enfatiza a promoção da saúde aos indivíduos, grupos e sociedade. Ela acredita que a ciência e a prática expandem a capacidade de adaptação e melhora a transformação ambiental da pessoa (22).

Ressalta-se que a classificação hierárquica das evidências para a avaliação de pesquisas ou outras fontes de informação é baseada na categorização da Agency for Healthcare Research and Quality (AHRQ) dos Estados Unidos da América. Portanto, apresenta-se essa classificação nos seguintes níveis: nível 1, metanálise de múltiplos estudos controlados; nível 2, estudo individual com desenho experimental; nível 3, estudo com desenho quase experimental como estudo sem randomização com grupo único pré e pós-teste, séries temporais ou caso-controle; nível 4, estudo com desenho não experimental como pesquisa descritiva correlacional e qualitativa ou estudos de caso; nível 5, relatório de casos ou dado obtido de forma sistemática, de qualidade verificável ou dados de avaliação de programas; nível 6, opinião de autoridades respeitáveis baseada na competência clínica ou opinião de comitês de especialistas, o que inclui interpretações de informações baseadas em pesquisas; opiniões reguladoras ou legais (23).


Resultados e discussão

Inicia-se apresentando ao perfil das publicações analisadas e, visando atender a primeira fase da redução dos dados, conforme se apresenta no Quadro 1.

Dos artigos selecionados predominam os encontrados no PubMed, sendo dois publicados em 2009 e três, em 2012. Em relação ao idioma, seis estudos foram publicados em inglês e três na língua portuguesa. Provavelmente por ser considerado idioma universal, observou-se predomínio de artigos publicados em inglês, inclusive os que tiveram autoria de franceses, iranianos, alemãs, coreanos e poloneses. Dos nove artigos, três foram publicados no Brasil, os demais na Austrália, França, Irã, Alemanha, Coreia e Polônia. Em relação aos autores, destacam-se que seis estudos foram publicados por médicos, alguns em parceria com enfermeiros, biomédicos e farmacêuticos. Chama a atenção que dois artigos foram publicados apenas por enfermeiros e 1 por psicólogos.

Ressalta-se a predominância de publicações de cunho internacional, que utilizam diferentes métodos de pesquisa, tais como estudos transversais, investigações piloto, estudos prospectivo, internacional e multicêntrico.

Os sujeitos abordados nas pesquisas apresentavam doenças dermatológicas ou sistêmicas com efeitos na pele, entre elas, lúpus eritematoso sistêmico, acne vulgaris, doença de Von Recklinghausen, feridas crônicas, doenças alérgicas (urticária, dermatite atópica e dermatite alérgica de contato), assim como cicatrizes, acne, rosácea, melasma, vitiligo ou hiperpigmentação, sardas, lúpus eritematoso crônico discoide.

Procedendo à análise do conteúdo dos artigos selecionados, a partir dos resultados e da conclusão dos autores foram delimitadas duas categorias temáticas: 1. Efeitos psicológicos da afecção dermatológica e 2. Estratégias para o alcance da qualidade de vida (QV). Para a sua delimitação, foi construído um quadro demonstrativo com as categorias delimitadas e síntese dos resultados e conclusões (Quadro 2).

Nesse sentido, com o surgimento dessas categorias o modo de autoconceito de Roy fortalece que a utilização de uma teoria de enfermagem ajuda a definir claramente o caminho e leva-nos à realização do processo de investigação (33).

Assim, neste estudo, tem-se o enfoque no modo autoconceito que é definido como um modo composto de crença e de sentimentos que a pessoa mantém sobre ela mesma. Possui dois componentes: eu físico, que inclui sensações e imagem do corpo; eu pessoal, compreendido do eu consistência, eu ideal e eu éticomoral-espiritual (34, 35).

Dessa maneira, acredita-se que, por meio do reconhecimento dos aspectos psicossociais que permeiam o paciente, desencadeados por experiências pessoais diretamente nos seus comportamentos, atitudes e sentimentos ante as diferentes situações diárias, geram influências em seu eu físico e eu pessoal (36).


Efeitos psicológicos da afecção dermatológica

A presente categoria foi composta por três publicações (25, 26, 27). Nesta, por meio da subárea do eu físico em que se inclui dois componentes: sensação e imagem corporal (34, 37), observou-se o componente mais acometido: o que pode desencadear uma imagem corporal, manifestada pelos sentimentos negativos em relação ao corpo, que leva a efeitos psicológicos.

Uma das publicações refere-se a um estudo clínico-quantitativo com clientes acometidos por lúpus eritematoso sistêmico (LES) e aborda experiências negativas em relacionamentos, no qual se observou comportamentos de rejeição tanto familiar quanto social e retardo no descobrimento da doença por parte dos profissionais de saúde. A experiência da doença para os pacientes é percebida como um sofrimento diante do desconhecido e proibições recomendadas (25).

Percebe-se que a doença cutânea provoca sentimentos de irritabilidade, dificuldade em verbalizar o sofrimento, inibição do interesse sexual e reclusão social, o que pode provocar efeitos psicológicos (25). A identificação de uma autoimagem desfigurada e os sentimentos desencadeados pelo LES devem ser investigados pelos profissionais de saúde e merecem a atenção destes para êxito e controle da doença.

Outra publicação teve como objetivo investigar sequelas psicológicas da acne vulgaris. Nesta, 26 sujeitos com idades variadas foram entrevistados e foi possível perceber como a acne acomete a vida das pessoas, causando constrangimento, baixa autoestima e autoimagem, estigmatização e sentimentos de inferioridade (26).

Refletindo quanto a tais efeitos psicológicos, Roy com o autoconceito permite envolver especificamente os aspectos psicológicos e espirituais do sistema humano, ao contemplar a imagem corporal, pelo ser pessoal, que engloba a autoconsciência, o autoideal ou expectativa, e pelo ser ético, moral e espiritual (17).

A aparência física é um aspecto importante do processo de socialização normal. A acne é uma das anormalidades mais facilmente reconhecíveis na face, o que pode resultar em algumas consequências psicossociais adversas para a pessoa afetada (39).

Portanto, afetando o eu físico no que tange a sua aparência, os pacientes pareciam sentir que a acne afetava a sua personalidade, assim eles exibiam um comportamento mais evasivo e de fobia social. A fobia social pode ser causada pela exposição da imagem alterada, do julgamento alheio, olhares curiosos e preconceituosos da sociedade que afligem a pessoa acometida pela afecção cutânea (38).

Outro estudo descritivo aborda a análise da percepção do portador de ferida crônica sobre sua sexualidade. Neste, oito pessoas atendidas em uma sala de curativos de um Centro de Saúde na cidade de Salvador (Bahia, Brasil) foram entrevistadas e observou-se que a presença da ferida afetava a vida social, familiar e sexual, o que levou a efeitos psicológicos intensos no que tange ao isolamento social (29).

Nesse estudo, com foco na sexualidade e seus efeitos diante da presença de uma ferida crônica, os entrevistados relatam que esta acarreta tristeza, sensação de incapacidade, melancolia e constrangimento (29). Alertando-se para a dificuldade de relacionamento, associado à diminuição da autoimagem e da autoestima provocada pela alteração da imagem corporal.

Assim, reitera-se ao modo autoconceito definido por um composto de crenças e sentimentos que a pessoa tem sobre si mesma em um dado momento (34). Nesse modo, os problemas adaptativos podem interferir na habilidade da pessoa em fazer o que é necessário para manter os aspectos de saúde como são demonstrados nos estudos anteriores.

Reitera-se que as reações, as atitudes e os sentimentos dessas pessoas transitam entre a rejeição, a vergonha, a exclusão, o isolamento, a submissão e a passividade, o que os torna estigmatizados pela sua alteração física (40).

A QV das pessoas com feridas crônicas também é afetada já que elas precisam modificar hábitos e se desvelar em processos adaptativos, com interferência no conforto e bem-estar individual e familiar. Além disso, a ferida prejudica o estado de humor dos atores sociais e deixa-os irritados ou sem paciência; assim, destaca-se o papel da família e das redes sociais dos adoecidos no processo de enfrentamento do processo saúde-doença (41).

Nesse sentido, além da família e das redes sociais, o profissional de saúde que cuida da pessoa com ferida crônica e o ser cuidado podem colaborar na orientação de comportamentos adaptativos que poderão ser capazes de relacionar por intermédio de um processo interativo, no qual compartilham experiências e resgatam a humanidade existente em cada um (42).

O profissional de saúde juntamente com a equipe multiprofissional deve ajudar o paciente a superar os efeitos psicológicos inerentes à doença e a recuperar sua posição socioprofissional frequentemente perdida em função de seu estado patológico (43).


Estratégias para o alcance da QV

Esta categoria foi composta por seis publicações (24, 27, 28, 30, 31, 32).

A QV foi definida pela Organização Mundial de Saúde como a percepção do indivíduo de sua posição na vida no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações (44).

Através de seu caráter integrador, inter-relacional e multidimensional, a QV está pautada nos vários contextos da saúde e nas múltiplas dimensões humanas: biológicas, sociais, psicológicas e espirituais. Tais dimensões se entrelaçam se inter-relacionam com o ambiente no qual se encontra e necessita de atendimento para possibilitar o equilíbrio e a sustentabilidade de todos os elementos participantes dessa totalidade (45).

Portanto, a relação entre QV e saúde vai além das condições materiais de cada um, pois o ser humano deve ter suas necessidades básicas respeitadas (46).

Assim, no que se refere à luz do referencial teórico desse estudo, quanto ao eu pessoal, outra subárea do modo de autoconceito é realizada uma avaliação individual de suas próprias características, expectativas, valores e méritos (37) que pela sua denominação pode-se remeter à compreensão da QV como uma forma de percepção do próprio existir (47).

Portanto, a primeira publicação refere-se a uma investigação piloto realizada com 20 mulheres com acne, lúpus eritematoso discoide crônico e vitiligo. Elas participaram da pesquisa na qual usaram cosméticos decorativos e preencheram o Dermatology Life Quality Index —DLQI— (24). Essa investigação revelou que o seu uso resultava em considerada camuflagem em algumas lesões da pele, porém as mais evidentes permaneciam expostas. Ou seja, determinados tipos de manifestações dermatológicas são cobertas pelo uso dos cosméticos, outras não, o que torna seu uso limitado.

Pela avaliação dos cosméticos e a sua consequente mudança na QV, foi percebida uma melhoria significativa em alguns casos, como na acne papulopustulosa e conglobata. Porém, os autores revelam que isso não foi devido à deterioração inicial da QV, porque não havia nenhuma diferença estatística das pontuações DLQI entre ambos os grupos de pacientes, além de não considerarem a idade como parâmetro relevante (24).

O conceito de usar maquiagem está ganhando novas definições, com a indústria investindo em novas funções para esses produtos. Além de embelezar, a maquiagem também é indicada para tratamento, devido aos novos compostos que estão sendo agregados a ela (48).

Em outro estudo com 112 pacientes, a maioria mulheres, com diagnósticos de urticária, dermatite alérgica de contato e dermatite atópica e idades variando de 18 a 72 anos, com média de 38 anos, buscou-se analisar os relacionamentos potenciais entre autoaceitação, saúde mental e QV por meio de três questionários: um de saúde geral, um de DLQI e uma escala de autoaceitação (26). Revelando, dentre os seus aspectos, a existência de diferenças estatísticas significativas quanto à saúde mental e QV dependendo do nível de autoaceitação do paciente como, por exemplo, indivíduos com autoaceitação elevada são caracterizados pela melhor saúde mental do que aqueles com baixa.

Percebeu-se, assim, que doença dermatológica leva a sentimentos de autoestima alterada e ao reconhecimento da própria condição de vida. Por serem aparentes, as dermatoses repercutem na vida pessoal, profissional e social das pessoas acometidas por elas (49).

Ante essas conclusões, o artigo traz possibilidades de estratégias de alcance de QV por meio de questionários que podem avaliar e colaborar no planejamento de ações como suporte psicológico, intervenções focadas no fortalecimento da autoimagem e na redução de sentimentos autodestrutivos, ou seja, a busca de mecanismos de enfrentamento eficientes para manutenção de sua integridade psíquica.

O estudo transversal com 513 adolescentes coreanos com faixa etária de 13 a 16 anos teve como objetivo de determinar a prevalência da acne e o prejuízo desta nos aspectos emocional, social e funcional. Os resultados revelam o real comprometimento da QV dos estudantes causada pela presença de acne, devido a prejuízos nas relações interpessoais e distúrbios na vida diária, especialmente no desempenho acadêmico (28).

A análise ampla desse estudo conclui-se que a acne acomete a vida dos adolescentes e pode levar a um distúrbio psicológico que advém da autopercepção, estresse, relações sociais comprometidas, baixa autoimagem e autoestima (28). Nesse estudo, mostrou-se que a baixa autoestima é considerada um problema de adaptação, pois indica a presença de sentimentos de depressão, desvalorização, isolamento (37).

Outro estudo internacional, multicêntrico, prospectivo não comparativo realizado com 129 pacientes com dermatoses, com idade média de 18 anos, que afetavam a face onde foi avaliada a QV, o impacto mais significativo foi em relação aos sentimentos, e o menos foi em relação ao trabalho ou estudo; pacientes com cicatrizes são mais afetados do que aqueles cuja área afetada é menor (30).

Esse impacto significativo também foi citado em outro estudo que aborda as dificuldades e temas da vida de pessoas com vitiligo em que relatam a exposição das manchas; a aparência ou estética, que inclui a dificuldade de lidar com a aparência ao se olhar no espelho e o comprometimento da vaidade devido às alterações estéticas; as interações sociais; o aspecto emocional, que envolve a alteração da autoestima, o controle das emoções, o sentimento de vergonha (50).

Assim, a maquiagem de camuflagem consegue mascarar uma coloração não desejada, cicatrizes e lesões, e sua aplicação resulta numa melhora da aparência do paciente e minimizam a estigmatização pelo fato de diminuir os sinais visíveis da doença (30).

A estigmatização é algo que faz parte do dia a dia desses clientes, seja na rua, em casa com a família, com amigos, onde ele estiver, estará propenso a vivenciar tais situações. No meio social em que os padrões estéticos são extremamente rígidos, a afecção cutânea é uma condição na qual o sujeito está fora dos padrões (38).

Nesse aspecto, ao refletir sobre os efeitos do uso e não uso dos cosméticos percebe-se que, no modo autoconceito ao estar intrinsecamente ligado à integridade psíquica, se conturba com a autoimagem alterada e baixa autoestima que diminui as expressões de valores do indivíduo quanto a si mesmo e as suas expectativas (51).

A condição do sujeito de estar fora dos padrões no que concerne ao do corpo, observam-se ideais hedonistas e a moral do "aqui agora", que convive lado a lado com a ideologia da saúde, da longevidade e da prevenção (52).

A forma com a qual as pessoas reagirão ante os seus problemas e os mecanismos dos quais elas utilizarão para enfrentá-los estão intimamente relacionados às suas crenças, seus valores e ao apoio que recebem dos seus familiares (53).

Novamente, outro artigo de pesquisa (48) faz parte de uma iniciativa de indústrias farmacêuticas internacionais, portanto o alcance a essas estratégias para a melhoria da QV fica restrito e limitado, já que os custos serão elevados para a população em geral. Com certeza, é uma medida favorável às pessoas acometidas por afecções na face e o seu uso restabelece a autoestima e melhora a QV, o que minimiza estigmas sociais por meio da camuflagem.

Remetendo-se ao eu ideal, que poderá ser alcançado por meio das estratégias citadas anteriormente, ressalta-se que, à medida que as pessoas são capazes de enfrentar situações de extremo estresse físico e emocional, permite-lhes perceber a possibilidade de superação, assim como dispor de meios eficientes para enfrentá-las (37).

Em um relato de caso de uma paciente do sexo feminino de 50 anos com diagnóstico de Doença de Von Recklinghausen, o autor revelou o grande impacto na QV tanto do ponto de vista clínico quanto estético (31), diante de uma doença que acarreta sintomas sistêmicos como hipertensão arterial sistêmica, escoliose, cefaleia, macrocefalia, baixa estatura, catarata e pterígio conjuntival. Além de afetar a aparência, que consequentemente compromete sua vida social e desempenho no trabalho. Os aspectos relacionados à QV não foram descritos pelo autor, tendo em vista que a paciente abandonou as consultas de rotina, e também pelo fato de ser um relato de caso de apenas uma paciente.

Um estudo transversal com 220 pacientes objetivou investigar a QV dos pacientes com acne em um contexto iraniano. Neste, foi utilizado o DLQI e o Índice de Deficiência da Acne Cardiff (CADI). Em relação ao DLQI, a maior pontuação média foi atingida por uma enfermidade, na qual o cliente apresenta sentimentos e emoções; e no CADI, a imagem corporal alcançou a maior pontuação média (32). Novamente, mais um artigo demonstra a estreita relação entre uma afecção dermatológica e a QV e assim percebe-se que, quanto maior a severidade do caso, maiores serão os impactos psicossociais. As mulheres, em geral, são mais afetadas que os homens.

Portanto, os impactos psicossociais podem evoluir para um significativo decréscimo no bem-estar emocional, social, na produtividade escolar ou laboral, e influenciar significativamente na evolução da doença e na resposta às intervenções terapêuticas propostas (54).

Assim, as alterações causadas pelo acometimento cutâneo podem causar mal-estar, o que interferirá na QV. Portanto, os profissionais de saúde devem contemplar os aspectos emocionais e sociais que visem à melhoria do bem-estar físico, mental e social e possibilitem a busca de uma ressignificação do sentido da vida.


Conclusões

As afecções dermatológicas trazem mudanças significativas no aspecto psicossocial e na QV. Esta revisão integrativa relevou os principais efeitos psicológicos provocados pelas afecções dermatológicas. O acometimento cutâneo pode levar o indivíduo a buscar estratégias que vão desde o isolamento do corpo e social, negação da doença até as maquiagens de camuflagem.

Algumas publicações revelam o investimento feito por indústrias farmacêuticas em relação ao uso de cosméticos (camuflagens) que visam à melhoria da QV, principalmente de pessoas que têm a face acometida por uma afecção dermatológica. Porém, o seu uso se torna restrito e limitado em muitos casos.

A associação estabelecida entre as afecções dermatológicas e os modos adaptativos permitiu reconhecer os problemas comuns de adaptação de Callista Roy na população estudada, assim como identificar os efeitos e influências a serem trabalhados como medida interventiva capaz de viabilizar a adaptação.

Além de constatar que os problemas de adaptação do modo autoconceito, isto é, os fatores psicossociais relacionados diretamente à afecção dermatológica no que tange à autoimagem e autoestima, ocasiona ou ocasionou modificações na vida das pessoas. Esses problemas provocaram ansiedade e depressão, e interferiram na QV dessas pessoas.

A compreensão do sofrimento das pessoas, nesse caso específico, causado pela alteração da autoimagem, permite assumir no cuidado a integralidade do ser humano, com um tratamento digno e humanizado. Diante da escassez de estudos publicados que mostrem as estratégias a serem adotadas por enfermeiros para lidar com os efeitos psicológicos causados pela doença cutânea, evidencia-se uma lacuna no conhecimento, o que revela a necessidade de investir em pesquisas sobre a temática.



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